- novembro 20, 2017
Terreiros saem pelas ruas com oferendas para lembrar Oxum e pedir respeito
Devotos levaram oferendas como flores, comidas ritualísticas e objetos sagrados até o Lago do Amor
Com frases sobre os presentes à divindade das águas, a música Karodô é repetida sem cessar durante o trajeto do terreiro até o Lago do Amor, em Campo Grande, neste domingo (19). A homenagem é um ato religioso das comunidades de matrizes africanas para um de seus orixás, Oxum, que na mitologia iorubá, é um orixá feminino, filha de Iemanjá e Oxalá.
O que antes era feito de maneira isolada, tornou-se um evento público, em sua terceira edição, das comunidades de Umbanda e Candomblé, contra todo discurso de ódio, intolerância religiosa e preconceito.
Em um trajeto de 2,5 quilômetros, os devotos de Oxum carregaram oferendas com flores, comidas ritualísticas e objetos sagrados até o lago, mas com a consciência de não depositar nada que afete o meio ambiente. “Porque o objeto da nossa crença é a própria natureza. Então, degradar não é nosso objetivo e não afetamos ela de maneira alguma”, reforça o dirigente da casa Ilê Dará, o balorixá Lucas de Odé.
O ritual começou no terreiro Egbe Omo Oni Ode, conhecido como Axé Pioneiros. No local, mulheres dançavam com roupas brancas e detalhes em amarelo, a cor de Oxum. Nessa parte da cerimônia, é proibido fotografar.
Do lado de fora, quando o trajeto começa, o que não falta é alegria nos batuques, danças e cânticos. O idealizador da manifestação religiosa é o pai de santo Edson Fernandes, que recebeu o apoio do professor Antônio Lino Rodrigues de Sá, da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Na instituição, ele ministra uma disciplina sobre Educaçãoe Religião, que tem o foco, principalmente, no Candomblé e na Umbanda.
“Na universidade se abriu espaço, mas na sociedade ainda é uma questão que precisa ser rompida. Não é aceitar e sim respeitar que todo mundo tenha sua forma de manifestação”, explica Antônio.
Durante a caminhada, adultos e crianças se emocionaram. Sob olhares da vizinhança que filmava, aplaudia e sorria para mais um ano de caminhada, que desta vez, foi ignorada pela Polícia Militar e Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) que não compareceram ao local para auxiliar o cortejo mesmo com o pedido formal feito à Prefeitura. Inclusive, 5 empresas que trabalham com equipamentos de som, que seriam utilizados na procissão, se recusaram a fechar contrato, ao saberem que o evento era realizado pela Umbanda e Candomblé.
Famílias demonstraram a importância do respeito a religiosidade com alegria e amor. (Foto: Marcos Ermínio)
“Temos em mãos um documento com autorização para utilizar a via pública, mas ninguém nos acompanhou para ajudar na segurança dessas pessoas. Infelizmente é uma falta de apoio enorme”, lamenta o professor.
Integrante do Movimento Negro em Campo Grande, a educadora social Romilda Pizani, de 40 anos, quis acompanhar de perto. Para ela a cerimônia significa união diante de um cenário de retrocesso.
“Se não nos unirmos, esse retrocesso vai nos prejudicar enquanto consciência negra, e cultura de matrizes africanas. E reforçar sobre a religiosidade, principalmente em um estado como Mato Grosso do Sul, é importante”.
Como militante e as vésperas do Dia da Consciência Negra, celebrado hoje, o evento traz uma reflexão sobre as lutas das comunidades negras no País. “Nós somos o segundo país no mundo em número de pessoas negras e os avanços a essa população não acontecem efetivamente. E o mês vem para que a gente possa contribuir com que essa reflexão. E seguir essa manifestação é um extremo avanço, em pleno domingo à tarde, em um dos bairros mais populosos com roupas e adereços religiosos onde não há nenhum tipo de violência”, diz a educadora.
Na porta de casa, Cristina Goulart, de 47 anos, filmava tudo com o celular e se emocionou ao ver a procissão. Todo ano ela vem de longe até a casa do pai só para assistir a esse momento. “Moro lá na Julio de Castilho, mas venho aqui só para filmar. Eu já estava esperando porque é um momento muito bonito. E mesmo não seguindo a religião, acho que eles merecem respeito”.
O mesmo fez Sintike Queiroz, de 22 anos, que não pertence a nenhuma religião, mas foi em busca de compreensão. “Vejo a seriedade e o respeito deles a todas as pessoas. E acho que só conhecendo de perto, para romper com o preconceito e respeitar as religiões. Venho e conto o que vejo para as pessoas com o propósito de passar a informação correta”.
Depois de 1 hora e meia de caminhada, a passos tranquilos, a entrega nas águas do Lago do Amor, foi o momento mais bonito. O grupo usou um barco para deixar as oferendas, de flores, na água. Com fogos de artificio e batuques que continuaram a ecoar na beira do lago, a cerimônia terminou com alegria e emoção para quem acredita que a partir de momentos como esse é possível acabar, ao menos um pouco, com a intolerância.
Iniciativa – E já tramita na Câmara Municipal de Campo Grande, um projeto de lei do vereador William Maksoud (PMN) que inclui no calendário oficial do município o dia 20 de novembro como data de comemoração ao Presente de Oxum.
Para um evento que acontece há 3 anos, isso representa a resistência e a busca para exaltar o respeito as comunidades de terreiro. “Poucos ainda fazem questão, hoje foi um dia difícil para conseguir apoio. Então é preciso se unir, exercitar a fé e mostrar que nossa religião é aberta, sem distinção de raça, cor ou orientação sexual. Nossa felicidade é saber que a comunidade religiosa vem conseguindo se unir, mas a triste é todo dia saber que tem uma sociedade que ainda nos massacra”, finaliza o pai de santo Edson.
Confira a galeria de fotos da cerimônia.