- novembro 14, 2017
Prova de leite a pasto seleciona animais mais produtivos no Brasil Central
A Embrapa e criadores do Distrito Federal e Entorno uniram esforços para melhorar a qualidade genética dos rebanhos leiteiros da região e, assim, aumentar a produtividade dos animais, que, apesar de similar à média nacional, 1.600 litros/vaca/ano, ainda é baixa se comparada à dos estados do Sul, de 2.900 litros/vaca/ano, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para isso, o Centro de Tecnologias para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) da Embrapa Cerrados (DF) vem realizando, desde 2015, a Prova Brasileira de Produção de Leite a Pasto do Zebu Leiteiro.
A prova zootécnica, inédita em condições de Cerrado do Brasil Central, foi desenvolvida em uma parceria entre Embrapa e Associação dos Criadores de Zebu do Planalto (ACZP), representante em Brasília da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), com apoio da Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro (ABCGIL), do Hospital Veterinário da Universidade de Brasília (UnB) e das Faculdades Associadas de Uberaba (Fazu). A metodologia tem como objetivo identificar e disponibilizar ao mercado matrizes melhoradoras de raças zebuínas leiteiras como Gir Leiteiro e Sindi, ou seja, com maior potencial genético para a produção de leite a pasto, nas condições do Cerrado brasileiro.
De acordo com dados da Emater-DF, o Distrito Federal conta com 1.230 produtores de leite e, em 2016, produziu 29,9 milhões de litros, volume ínfimo diante do demandado pelos consumidores brasilienses – 221,8 milhões de litros anuais, se for multiplicada a população – cerca de 3 milhões de habitantes – pelo consumo recomendado pela Organização Mundial de Saúde, de 200 mL/dia. “Precisamos encontrar genética que se adapte ao nosso sistema de produção a pasto. Não é comprar genética e depois inventarmos um sistema que não temos condições de manter”, explica Cláudio Karia, chefe-geral da Embrapa Cerrados.
Coordenador da prova, o pesquisador da Embrapa Carlos Frederico Martins explica que a metodologia tem como premissas a seleção genética confiável, com no mínimo cinco meses de mensuração de leite; o sistema de produção pecuária característico do Brasil, que tem o pasto como base alimentar sustentável; e a produção do leite seguro e saudável, sem qualquer aditivo.
Como funciona a prova de leite a pasto
Os animais participantes da prova são novilhas contemporâneas, provenientes de criatórios do DF e de estados vizinhos. A prova tem duração de 14 meses, sendo dois de adaptação, em que os animais são alimentados com silagem de milho e concentrado, e 12 meses de lactação, dos quais são considerados 305 dias de lactação, período em que as novilhas se alimentam de pasto rotacionado de Brachiaria brizantha cv. BRS Piatã, variedade recomendada para o Cerrado e integrante do portfólio de cultivares da Embrapa, e suplementação proteica, como ocorre nas fazendas da região. O leite produzido é pesado e avaliado em um laboratório da Universidade Federal de Goiás (UFG). As ordenhas são realizadas mecanicamente duas vezes ao dia, com a presença do bezerro ao pé, sem indutores de lactação.
Durante o período de lactação, são mensurados parâmetros de importância econômica em condições de pastagem no bioma Cerrado quanto à produção de leite (com peso ponderado de 40% na avaliação), intervalo do parto à concepção (15%), percentagem de gordura no leite (5%), contagem de células somáticas (CCS) no leite (5%), percentagem de proteína no leite (10%), persistência de lactação (10%) e conformação da morfologia racial (15%). As mensurações são conduzidas em conjunto com técnicos da ACZP e da ABCZ.
Os atributos medidos compõem o índice fenotípico que classifica os animais na prova. Cada atributo é expresso considerando-se a média do grupo avaliado com o valor de 100% – ou seja, os animais acima da média recebem valores superiores a 100% e os abaixo da média, valores inferiores a 100%. “Assim, o animal primeiro colocado não é o que produz mais leite, mas é o mais equilibrado nesses fatores avaliados”, afirma Martins. Outros fatores avaliados, mas que não compõem o índice fenotípico, são os sólidos totais e a lactose presentes no leite.
Além das avaliações zootécnicas feitas por técnicos da Embrapa e da ACZP, um laboratório externo faz a genotipagem das novilhas para a beta-caseína A2, proteína do leite menos alergênica que a variante A1 – segundo estudos médicos desenvolvidos na Nova Zelândia, na Austrália e na China, em populações que consomem o leite A2 há menor incidência de doenças cardiovasculares, diabetes do tipo 1 e alergias. “Oitenta por cento dos zebuínos carregam essa característica, que agrega valor ao zebuíno leiteiro”, explica o pesquisador. A variável também não faz parte do índice fenotípico de classificação das novilhas.
O CTZL busca ainda formar um banco genético com as cinco melhores fêmeas de cada raça classificada na prova. Caso haja interesse do criador, após a prova, os animais são submetidos à aspiração folicular e coleta de embriões. Os produtos (embriões) são compartilhados igualmente entre o criador e a Embrapa, que assinam um contrato de parceria pecuária de pesquisa.
Marcelo Toledo, superintendente técnico da ACZP, revela a satisfação da entidade em realizar a prova com a Embrapa. “Foi uma felicidade muito grande. Sempre tivemos desejo de desenvolver esse projeto junto com o CTZL e deu tudo certo. Tudo foi feito para que o produtor se beneficie com as informações geradas.”
Resultados da prova com Gir Leiteiro
Na primeira edição da prova, concluída em setembro de 2016, participaram 20 novilhas da raça Gir Leiteiro provenientes de 13 criatórios do Distrito Federal e Entorno. A segunda edição está em andamento desde dezembro do ano passado, quando ocorreu a primeira pesagem do leite, e tem a participação de 20 novilhas Gir Leiteiro, sendo seis delas participantes da prova anterior, além de 11 animais da raça Sindi. As pesagens terminam em novembro deste ano e os resultados finais devem ser divulgados em dezembro. A terceira edição já está com inscrições abertas para as raças Gir Leiteiro, Sindi, Guzerá e Guzolando.
As cinco novilhas Gir Leiteiro que alcançaram a primeira colocação na primeira edição da prova obtiveram índice fenotípico acima de 100%, ou seja, acima da média do grupo, sendo que o melhor desempenho foi da novilha Janaúba F. Viena, que alcançou índice de 109,2%. O animal também foi o melhor classificado nos quesitos produção de leite (índice de 108,84%), tendo produzido 4.226 kg em até 305 dias de lactação; conformação total (118,33%); e índice de lactose do leite (105,96%), com teor médio de 4,83% no período citado.
Outra vertente considerada pela prova é a financeira, que inclui avaliação das receitas com a produção dos animais, dos custos operacionais e das margens brutas. Na primeira edição da prova, a receita bruta foi obtida mensalmente com preços recebidos pelo leite, considerando bonificações de gordura, de proteína e de CCS praticadas pela Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR). A novilha Janaúba F. Viena chegou às mais altas bonificações nesses quesitos, alcançando remuneração total de R$ 4.787.
Ao final de 305 dias de lactação, a maior receita bruta foi de R$ 4.902, obtida com a produção de Janaúba F. Viena, que também teve o maior custo operacional (R$ 4.564), representado por alimentação, mão de obra, medicamentos, controle sanitário e reprodutivo, aluguel de máquinas, manutenção em geral, impostos e taxas. Assim, a margem bruta com a produção de leite do animal durante a lactação representou R$ 338. A maior margem bruta foi apurada com a novilha PH Filomena FIV, R$ 424.
O que dizem os produtoresPresidente do Sindicato de Criadores de Bovinos, Bubalinos e Equinos do Distrito Federal (SCDF), Anselmo de Azevedo participa da segunda prova com duas novilhas Gir Leiteiro. Para ele, o importante não é possuir um animal que produza muito, mas que produza com rentabilidade. “Não adianta uma vaca que produza 60 kg de leite se ela custa 120 kg de leite a cada dia. Então, temos que voltar a atenção para a sustentabilidade da produção.” Hamilton de Carvalho, que cria Gir Leiteiro no DF, já havia participado da primeira prova com uma novilha, repetindo a dose na segunda prova. Para ele, o CTZL abriu, na região do Planalto Central, o caminho para o controle leiteiro e a avaliação a pasto livre do uso de hormônios. “Existe uma oportunidade de, com vacas de 10 a 14 litros/dia que, desde que com alimentação melhor, obter um desempenho mais alto e chegar aos 20 litros/dia”, projeta. Para o criador José Maria dos Anjos, de Luziânia (GO), que disponibilizou duas novilhas – uma delas, a mais bem classificada –, a participação na prova se deve principalmente à credibilidade do trabalho desenvolvido pela Embrapa, tanto no âmbito nacional como internacional, e à confiabilidade das informações geradas pela avaliação. “Para nós que lidamos com melhoramento genético, a preocupação é aprimorar as técnicas que levam à agregação de valor. A Embrapa traz essa agregação não apenas com a avaliação em termos absolutos da produção de leite, mas também com outros fatores elencados que passam a ser referência daqui para frente, como o ganho financeiro e a genotipagem para a beta-caseína A2”, afirma o produtor, que está participando da segunda prova com duas novilhas Gir Leiteiro e cinco novilhas Sindi. Criador de Sindi em Cavalcante (GO), Marcos da Cunha destaca que a produção de leite da raça não compete com a de outras zebuínas em quantidade, mas em qualidade, devido à homozigose do alelo A2 da proteína beta-caseína. “Creio que (na prova) vamos comprovar também o maior teor de gordura e sólidos no leite. Vejo o Sindi como opção para o pequeno proprietário, que faz a ordenha à mão e produz queijos e outras iguarias.” José Mário Abdo, dono da novilha quarta colocada na primeira prova, tem interesse de testar – e comprovar – o potencial genético e de produção do Gir Leiteiro, além de contribuir com as pesquisas da Embrapa Cerrados. Para o produtor, a prova possibilita evidenciar e firmar a convicção de que a raça é, de fato, vocacionada para a produção de leite nos trópicos. “As cinco novilhas mais bem classificadas produziram, a pasto, 3,5 mil ou mais quilos de leite durante os 305 dias de lactação, o que dá uma média de mais de 11,5 quilos por dia”, observa. Segundo o criador, a prova também permite derrubar alguns tabus, como o de que as novilhas não conseguiriam ficar prenhas antes do final da lactação, e mostrar que é possível produzir um leite saudável e sustentável. “A prova serve também como baliza para o processo de seleção genética que fazemos nas propriedades. É uma sinalização para continuarmos no caminho que estamos seguindo, com a chancela da Embrapa”, declara. Abdo está participando da segunda prova com dois animais Gir Leiteiro. Um participante de destaque das provas de leite a pasto do CTZL é o criador Paulo Horta. Médico cardiovascular de formação, ele é um estudioso da bovinocultura de leite, e vem fomentando a criação de raças zebuínas leiteiras na região há 38 anos, selecionando animais Gir Leiteiro. Além disso, é um dos idealizadores do CTZL da Embrapa Cerrados. “A parceria com a Embrapa é muito importante. Essa prova de produção de leite é um marco.” Para mostrar a importância da prova, Horta cita um trabalho científico dos pesquisadores Mário Martinez, Rui Verneque e Roberto Teodoro, da Embrapa Gado de Leite (MG), sobre avaliação e seleção de matrizes a partir do estágio de lactação, no qual foram avaliadas mais de 40 mil lactações, incluindo testes de progênie e o arquivo nacional do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O estudo demonstra estatisticamente que, para decidir se uma matriz deve ou não ser descartada, é necessário aguardar no mínimo seis meses de lactação. “No teste de progênie da prova de produção de leite, o controle leiteiro da lactação acima de seis meses é o que nos permite guardar ou desfazer de uma determinada matriz”, explica. |