- dezembro 8, 2022
MPT-MS e produtores de maçã fixam regras para contratação de indígenas na próxima safra
Audiência em Campo Grande discutiu normas rígidas de controle no recrutamento e medidas para impedir prática irregular de aliciamento dos trabalhadores
07/12/2022 – Como atividade de planejamento para a safra 2023 de maçãs, uma audiência administrativa ocorreu no município de Campo Grande, com a participação de produtores rurais e representantes de diversas empresas que atuam no setor, instaladas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, os dois principais fornecedores da fruta no país.
O encontro realizado no dia 1º de dezembro, na sede do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Mato Grosso do Sul, colocou no centro do debate a importância da continuidade das ações desenvolvidas nos últimos anos, relativas às contratações de indígenas do estado para cultivo, colheita, poda e raleio da maçã, assim como a observância das regras constantes da legislação trabalhista, no intuito de evitar a prática irregular de aliciamento dessas pessoas para laborarem apenas como diaristas e sem vínculo formal de emprego, e impedir que sejam submetidas a condições degradantes de labor.
No decorrer da audiência, produtores rurais e representantes das empresas assumiram o compromisso de contribuírem para a diminuição das contratações clandestinas feitas por intermediadores conhecidos como “gatos” ou empreiteiros de mão de obra, o que inclui a recusa na compra de produção oriunda dessas operações.
Eles ainda esclareceram que as contratações para a cultura da macieira estendem-se a outras ocupações, não se restringindo somente ao manuseio da fruta, mas alcançando também a operação de máquinas, a exemplo de tratoristas. Sobre o tema, o diretor-presidente da Fundação do Trabalho de Mato Grosso do Sul (Funtrab), Marcos Derzi, observou que os empregadores que necessitarem desse perfil de mão de obra deverão informar o quantitativo estimado, de modo que a entidade envide esforços para viabilizar a realização de curso específico, conforme exigências da Norma Regulamentadora nº 31, sem prejuízo de que esses treinamentos possam ocorrer nos locais de prestação do labor.
Durante a audiência, os participantes informaram acerca da continuidade da aplicação dos planos de biossegurança elaborados pelos empregadores e dos protocolos sanitários estipulados pelas autoridades de saúde pública com foco na prevenção ao contágio por Covid-19, os quais contemplam medidas aplicadas nas etapas de contratação, transporte, alojamento e prestação dos serviços. Eles acrescentaram que, quando das contratações, os recrutadores manterão contato prévio com as unidades básicas de saúde, no sentido de obterem dados sobre se os potenciais empregados fazem parte ou não da cadeia de casos suspeitos ou confirmados, que estejam sob rastreamento nas aldeias de origem.
Outro ponto de convergência entre produtores rurais e representantes das empresas integrantes do setor de maçãs, apresentado na reunião, refere-se ao compromisso de não adiantamento nos pagamentos de salário e demais verbas trabalhistas. Em regra, os empregadores oferecem o mesmo salário-base (em torno de R$ 1,3 mil), mas o rendimento bruto pode variar de acordo com outras vantagens, como gratificação por produtividade, podendo chegar a quase R$ 3 mil. Eles também arcam com o custeio do transporte dos indígenas (ida e retorno), alimentação, alojamento e cesta básica.
Os participantes da audiência também ajustaram que as demandas de mão de obra para o setor produtivo da maçã deverão ser apresentadas, prioritariamente, com antecedência mínima de 30 dias, diretamente às Casas de Atendimento ao Trabalhador estabelecidas nos municípios próximos às aldeias, a fim de possibilitar o cadastramento de cada trabalhador que será contratado.
Este ano, quase sete mil indígenas foram contratados para o cultivo, colheita, poda e raleio da maçã no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. A maioria deles sai de aldeias localizadas nos municípios de Miranda e Aquidauana.
A contratação desse tipo de mão de obra pelas empresas ocorre por meio de uma parceria entre MPT, Governo de Mato Grosso do Sul/Funtrab, Instituto de Direitos Humanos, Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae) e Coletivo dos Trabalhadores Indígenas, que fomenta emprego digno e com todas as proteções laborais. “Os indígenas já saem do seu município com os contratos de trabalho devidamente anotados no sistema e-social e na carteira. Nossa intermediação tem evitado o aliciamento irregular e assegurado a preservação dos direitos trabalhistas, bem como a transparência das relações laborais”, afirmou Jeferson Pereira, enquanto procurador do Trabalho atuante desde 2014 – os recrutamentos começaram em 2011.
Pereira lembrou, ainda, que a abertura desse mercado de trabalho para os indígenas surgiu em um período que muitos perderam oportunidades antes desempenhadas no corte manual da cana-de-açúcar, após a mecanização da cultura que desencadeou um desemprego estrutural nas aldeias. “Em regra, eles não têm qualificação para trabalhar com máquinas computadorizadas, e a colheita da maçã é manual, faz parte do estilo de vida deles”, pontuou.
Segundo o procurador do Trabalho, representantes das instituições envolvidas na parceria, especialmente da Coetrae, têm participado ativamente de inspeções in loco nas instalações físicas das empresas empregadoras dessa mão de obra, acompanhando de perto como é desenvolvida a atividade produtiva, as condições sanitárias e de conforto dos alojamentos, se os espaços fornecidos para refeições são apropriados, como é executado o transporte coletivo para as frentes de trabalho, entre outras atividades relacionadas ao cultivo de maçãs.
Já o presidente do Coletivo de Trabalhadores Indígenas de Mato Grosso do Sul, José Carlos Pacheco, enfatiza que o emprego da maçã tem aquecido a economia dos municípios adjacentes às 78 comunidades indígenas de origem, ao final da safra, quando os trabalhadores recebem os rendimentos. Segundo ele, o estado arrecada a cada ano em média R$ 28 milhões, beneficiando comércios locais como de Amambai, Coronel Sapucaia, Dourados, Japorã, Iguatemi, Aquidauana, Anastácio, Miranda e Caarapó.
“Os indígenas começaram a ter visibilidade pela qualidade de vida que essas empresas estão proporcionando a eles. Atualmente, há 12 empresas produtoras de maçã responsáveis pela contratação de trabalhadores indígenas oriundos do Mato Grosso do Sul. Isso significa que o nosso estado está recebendo uma maior injeção de recursos, com reflexo no aumento do consumo de mercadorias em lojas e supermercados. Certa vez, fui a uma aldeia no município de Coronel Sapucaia, quando um trabalhador indígena disse assim: ‘Zé Carlos, venha aqui, está vendo essa casa? Estou construindo com o dinheiro que eu ganhei da maçã’”, recordou Pacheco emocionado.
Empregabilidade
Lindemar Luis Cozzatti, diretor de operações da empresa Bortolon Agro Comercial, uma das principais produtoras de maçã no município de Vacaria (RS), explica que há cinco anos o estabelecimento aderiu ao compromisso de contratação por intermédio da parceria entre MPT, Funtrab, Instituto de Direitos Humanos, Coetrae e Coletivo dos Trabalhadores Indígenas. Desde então, houve ampliação de recrutamentos e investimentos no treinamento da mão de obra indígena para a prestação dos serviços. Em média, a Bortolon emprega 900 trabalhadores indígenas por ano.
“Nos últimos anos, temos alocado essas pessoas em novas atividades dentro da organização, como tratorista, plantio e poda da maçã, ou seja, extrapolando especificamente a colheita, com a finalidade de ampliarmos o leque de oportunidades para que permaneçam mais tempo vinculados à empresa”, disse Cozzatti. O diretor de operações acrescenta que a parceria entre as instituições públicas possibilitou a definição de regras específicas e coesas, que auxiliam tanto o trabalhador quanto o empregador. “Esse alinhamento é fundamental para o desenvolvimento das nossas atividades”, emendou.
Encarregado do recrutamento dos safristas na Fischer, Edmar Glienke informa que a empresa localizada no município de Fraiburgo, em Santa Catarina, contratou no ano passado em torno de 1,4 mil indígenas de Mato Grosso do Sul para uma nova colheita nos pomares de maçãs das variedades gala e fuji.
“Desde que iniciamos essa parceria, tivemos muita evolução. Antes, era bastante difícil, pois não tínhamos conhecimento como funcionavam as Casas do Trabalhador, e então íamos diretamente às aldeias para conversar com as lideranças indígenas. Nosso primeiro recrutamento ocorreu em 2007, na aldeia Porto Lindo, em Japorã, de onde saíram cinco ônibus para a primeira colheita da fruta”, lembrou Glienke.
Referente ao PA-PROMO 000133.2014.24.001/0-18
Fonte: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul
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