- outubro 9, 2017
Epopeia Acreana – Parte IV
Xapuri, AC
Hiram Reis e Silva, Rio Branco, AC, 05 de outubro de 2017.
Ninguém produz riqueza, mas vive com a barriga cheia e corpo coberto. Hoje, vemos nossos filhos ir para a escola e voltar porque a escola está aqui na casa dos seringueiros. A cada três horas de caminhada tem escola e também temos ônibus escolar. […] Hoje, boa parte [das pessoas] tem geladeira e televisão. É uma vida que nem se compara com a vida que nós tínhamos aqui há dez, 20, 50 anos.
(Raimundo Mendes de Barros)
13.09.2017 – Entrevista com Raimundo Mendes de Barros
O Ten BM Marcelo agendou uma entrevista com o Sr. Raimundo Mendes de Barros, mais conhecido como Raimundão, primo de Chico Mendes, no Assentamento Rio Branco:
Antônio Teixeira Mendes
Eu sou Raimundo Mendes de Barros, seringueiro de nascimento e descendente de nordestino. Minha mãe chegou do nordeste ainda criança, vinda do Ceará e meu pai era filho daqui, do Seringal São Francisco, lá do Alto Acre, onde hoje é o Município de Assis Brasil. Nasci aqui no Município de Xapuri, Seringal Santa Fé, de uma irmandade de 14 irmãos, sendo que apenas oito deles meus pais conseguiram criar, seis deles faleceram ainda muito jovens ou nasceram mortos. Minha vida sempre foi ligada ao Seringal, com sete anos de idade já andava na floresta junto com meus pais e meus irmãos tirando leite de seringa, colhendo castanha, alumiando com facho ([1]) de sernambi ([2]) pra o meu pai e os meus irmãos riscarem as seringueiras de onde era tirado o leite da borracha.
Antes de a fábrica abrir, conheci um monte de gente que até parou de cortar seringa. Eu mesmo parei. A fábrica reviveu o corte. Deram o material e o dinheiro, deram uma animada pra gente recomeçar.
Venho do tempo da borracha coagulada na fumaça e passei para o processo da borracha coagulada na tigela. Cheguei até aos dias de hoje ao fornecimento de leite ([3]) pra fábrica de preservativos ([4]). Mas voltemos um pouco no tempo e vamos para a época da borracha coagulada, uma época do domínio dos patrões que, na época da infância dos meus pais, eram conhecidos como coronéis de barranco.
Coronéis de Barranco
Por que Coronel de barranco? Por que os patrões naquela época compravam a patente de Coronel e as residências deles eram na barranca dos Rios. Não havia rodovias, os Rios eram as estradas, eles aportavam nas barrancas dos Rios onde construíam seus armazéns e residência. No armazém eram colocadas as mercadorias e a borracha, sendo que a borracha era armazenada em outro depósito devido ao cheiro dela. Essa era uma época de muita exploração. O patrão pesava a borracha de acordo com o seu critério e pagava conforme seu juízo e assim era feito também com a mercadoria. O seringueiro não opinava por preço ou peso de borracha ou de mercadoria porque se ele se manifestasse o patrão o reprimiria. A maioria dos seringueiros era analfabeta, apenas alguns tinham estudo, por que o ser humano sabendo ler e escrever é mais fácil ele começar a entender algumas coisas.
E o patrão não queria que o seringueiro tivesse muita compreensão a não ser produzir borracha e comprar a mercadoria dele. Essa trajetória durou aproximadamente 100 anos até que resolveram trocar, no Acre e em toda a Amazônia, o extrativismo pela criação de bois. Se na época dos patrões a vida não era boa como acabei de relatar a respeito da dominação, da exploração e o isolamento que se vivia, no latifúndio foi pior.
Porque na época do patrão quando ele não queria mais que o seringueiro permanecesse naquela colocação porque ele estava produzindo pouco mandava ele embora e o seringueiro conseguia uma colocação no outro lugar. Depois que chegou o latifúndio não, você sai daqui e vai para a beira da estrada ou para a periferia das cidades porque lá no outro Seringal não tinha como ser aproveitado porque ali já tinha gente sendo mandada embora.
Não compravam o produto da gente, que era a borracha e a castanha, e nem traziam mercadoria, foi uma fase em que muitos pais de família deixaram a floresta e foram para a periferia das cidades foram para a beira da estrada. Mas teve um grupo que resolveu resistir e foram se agrupando, primeiro através da orientação tímida que a igreja trazia como o conhecimento do Artigo 4° da Lei 4504/64, que se refere ao Estatuto da Terra, que diz que cada cidadão que estiver em uma gleba, não tendo outra, só pode sair dali se fosse indenizado ou oferecida outra terra, Isso começou a dar um certo Horizonte, uma certa esperança para os seringueiros e eles foram se juntando mais e mais até que aportou aqui no Acre a CONTAG, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, propondo a criação dos sindicatos.
Sindicatos
Os sindicatos começaram então a ser criados, o primeiro a ser criado foi no município de Brasiléia o segundo foi o de Xapuri e foram se alastrando até atingir todos os municípios. […] O Chico foi secretário do Sindicato de Brasileia, três anos depois de sua criação. No 4° ano ele veio para Xapuri porque ele era daqui e a gente queria que ele viesse para Xapuri porque o Sindicato daqui andava meio fraco e a gente confiava muito nele porque ele era uma pessoa muito serena, muito séria, muito segura, zeloso, dedicado, corajoso, uma pessoa muito pacata mas muito corajosa. […] Através do sindicato o Chico conseguiu apoio para começar um processo alfabetização de adultos com participação das crianças. […]
Hoje, graças a Deus, conseguimos o reconhecimento do Estado e do próprio Município e consideramos que a vida aqui é muito melhor que na cidade. Estamos aqui na tranquilidade, na convivência, na disciplina, produzindo uma agricultura de subsistência, mandioca, arroz, melancia, extraímos também a castanha, a borracha, hoje já iniciamos a criação de peixe, abelha, aqueles que querem trabalhar com gado podem criar de 15 a 20 cabeças porque isso é o que se pode criar dentro das regras da reserva. Antigamente levávamos de 6 a 7 horas até a cidade e hoje eu o faço apenas em meia hora, no passado só se tomava água gelada quando era época do frio, hoje temos geladeira, a escola está bem pertinho, em tudo que é canto tem escola e transporte escolar para levar os alunos, hoje a vida nem se compara com a dos meus tempos de criança.
Mas é de fundamental importância que se diga que tudo o que se tem hoje não se conseguiu de graça, foi com muito sacrifício, foram noites de sono perdido, dias de barriga seca, perda de vidas preciosas, acusações de que nós éramos um bando de desocupados, de invasores do alheio, que o Chico era um comodista, um vagabundo que só prestava para fazer agitação, esse era o tipo de tratamento que a gente recebia, mas nós tínhamos consciência de que se nós não lutássemos nossa vida ia piorar muito. […]
Reflorestamento
A seringueira nativa já está cansada ela é muito dispersa dentro da floresta e essa nova geração é muito desligada, o que eles aprendem na escola não é trabalho educativo ligado às coisas daqui da floresta […], isso é muito ruim é um estudo desligado da realidade de onde vivemos […]
Esse projeto de reflorestamento é uma coisa super boa a seringa gosta de uma sombrinha a gente aproveita o terreno, primeiro bota o milho, o arroz, a mandioca, banana e depois bota seringa, a castanha, o açaí e vai se montando uma espécie de mosaico com árvores que frutíferas. […]
Assassinos de Chico Mendes
Os assassinos do Chico, tinham matado gente no Paraná, Minas Gerais e pararam de matar aqui no Acre, eles eram contratados pelos fazendeiros como jagunços, compraram uma fazenda onde era um Projeto de Colonização, com certeza já encomendado, porque já tinha se iniciado a luta dos seringueiros com os fazendeiros e ao chegar eles começaram a comprar algumas colônias ao redor de forma intimidatória.
A briga deles com Chico se deu a partir da resistência do Chico e dos meus primos lá do Seringal Cachoeira porque um tal de Japonês queria desmatar o cachoeira. O Cachoeira é um Seringal muito rico, de muita castanha, muita seringa boa de leite onde o Chico tinha uma família muito grande. No Seringal Cachoeira tinha uma colocação chamada Brasil e Brasilzinho tinha duas famílias de seringueiros Agripino e Zé Brito.
O Zé Brito começou arrumar uma amizade com eles, quem sabe de que forma conseguiram isso. O Japonês queria entrar no Seringal Cachoeira, e o o Zé Brito se rebelou contra o Agripino resolvendo vender a colocação. O Agripino correu para a cidade e foi avisar o Chico Mendes:
– Chico, pelo amor de Deus! O Zé Brito está arranjando uma confusão desgraçada! Diz que vai vender a colocação para o pessoal da Fazenda Paraná.
O Chico manda o Agripino voltar e reunir o pessoal todo. Na reunião o Zé Brito diz não era nada daquilo que falou em vender num momento de raiva. Um mês depois o mesmo boato surge e o Zé Brito afirma ao Chico que não era nada daquilo, mas, na verdade ele já tinha vendido a colocação. O Chico desconfia da tramóia e começa a averiguar a vida do Darcy e Darly e verifica que eles tinham matado gente lá no Sul e que eram tidos como mortos. […]
Fonte: POTYGUARA, José. Terra caída: Romance – Brasil – São Paulo – Editora Globo, 2007.
Vídeos da Epopeia Acreana – Assis Brasil, AC / Boca do Acre, AM
Parte I: https://youtu.be/2jYSjm2Q_A0
Parte II: https://youtu.be/_S4a2TsKMPA
R. Globo: https://www.youtube.com/watch?v=aXoFphkU7Zo&t=24s
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br
[1] Facho: lanterna. (Hiram Reis)
[2] Sernambi: pedaços de placas não defumadas de látex coagulado nas tigelas e não prensadas. (Hiram Reis)
[3] Leite: látex.
[4] Natex: é a primeira fábrica no mundo a produzir preservativos a partir do látex de seringal nativo. A produção da Natex atende a 20% do mercado de preservativos distribuídos gratuitamente no Brasil pelo Ministério da Saúde. Das 2.500 famílias residentes da Reserva Chico Mendes, aproximadamente 500 colhem o látex e repassam para a Cooperacre que transporta o produto até a fábrica. (Hiram Reis)
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